Miguel Sousa Tavares ~ Porto Total, capital do dragão... summary_noimg = 550; summary_img = 450; img_thumb_height = 200; img_thumb_width = 200;

4 de junho de 2013

Miguel Sousa Tavares

                                                                       O VAIVÉM


1- Há duas semanas, escrevi aqui sobre o «fim-de-semana perfeito» em que o FC Porto ganhou os títulos nacionais de futebol, andebol e hóquei cm patins, todos em disputa directa contra o seu maior rival dos últimos 50 anos: o Benfica. Pois este foi o fim-de-semana horríbílis: perdemos a Taça de Portugal de andebol para o Sporting, no prolongamento e, ao que parece, após erro decisivo da arbitragem; perdemos o Nacional de juvenis em futebol, no último minuto, para o Benfica; e perdemos a Liga dos Campeões em hóquei em patins, também no prolongamento e com o golo de ouro, para o Benfica, em pleno pavilhão do Dragão. Afinal, a maldição da morte na praia não acontece só aos outros e ainda bem: se fosse sempre o mesmo a ganhar tudo,isto não teria graça alguma.

Da todas as derrotas do fim de semana a que mais doeu foi a do hóquei. Primeiro, porque há mais de 20 anos que não ganhamos o título europeu, de tal maneira, que eu já tinha interiorizado que esta era uma competição onde as equipes portuguesas, com FC Porto à cabeça, entravam sempre e, no final, ganhavam os espanhóis. Segundo, porque o jogo e o título decidiam-se em nossa casa, o que era uma vantagem clara. Terceiro, porque a final, desta vez, não era contra espanhóis, mas contra o Benfica, a quem, há quinze dias, havíamos goleado tranquilamente. E quarto, porque, depois da cena que o Benfica fez na véspera, na noite anterior e na manhã do próprio jogo, dizendo que não havia condições para disputar a final no Dragâo e ameaçando não comparecer (como já havia feito na final do vólei, contra o Sp. Espinho), o que eles mereciam era serem novamente sovados no rinque. Mas, não: ganharam e parabéns. Por uma vez, conseguiram passar do estatuto de campeões dos comunicados, dos conflitos, da instigação ao ódio e à arruaça, à condição de campeões em campo. Mas, mesmo perdendo, o FC Porto foi campeão numa coisa que o Benfica já provou vezes de mais ser incapaz de o ser: no comportamento exemplar do publico, no desportivismo a aceitar a derrota e na bofetada de luva branca com que respondeu aos comunicados provocadores do Benfica. Afinal, o que eles tinham apenas era medo de perder.

Uma semana depois do degradante espectáculo de anti-desportivismo e arrogância mal-educada que o Benfica deu na final da Taça contra o V. Guimarães, à vista de um país inteiro, o mínimo expectável era que, na ocasião imediatamente seguinte, se coibisse de repetir a fórmula. Tanto mais que é uma fórmula de insucesso: o Benfica só voltará à grandeza que já teve no dia em que perceber que não é mais nem menos que os outros e que não lhe assiste nenhum estatuto de grande senhor do desporto português, a quem tudo é consentido e perdoado. Celebrem o título do hóquei e meditem na lição que deu o público portista.

2- À hora a que escrevo, no dia de ontem, não são ainda conhecidos os treinadores de Benfica e FC Porto para a época que vem. A situação é absolutamente excepcional e a coincidência é tudo menos ocasional. Diga a imprensa o que disser, o impasse existe apenas porque ambos os presidentes estão dependentes e paralisados pela decisão que o outro tomar: no dia em que um deles se decidir, o outro decide-se logo a seguir. E, diga a imprensa o que disser, a mim ninguém me convence que a única coisa que os trava é um nome: Jorge Jesus.

Por mais que escrevam que nem Jesus nem Vítor Pereira se decidiram ainda a aceitar as propostas de renovação recebidas, a verdade parece-me oposta: nem Vieira nem Pinto da Costa se decidiram ainda a apresentar verdadeiras propostas de renovação. Pinto da Costa está à espera que Viera anuncie o desenlace com Jesus. E Vieira está à espera que Pinto da Costa anuncie um treinador para, só então, decidir o que faz com Jesus. Porque, acima de tudo, o que ele mais teme é que Jesus acabe no FC Porto e que, como é tradicional, aí conquiste o que não conseguiu conquistar no Benfica. Seria a humilhação extrema, e o medo é tão real (conhecendo Pinto da Costa), que o presidente do Benfica está paralisado entre a vontade maioritária da Direcção e dos benfiquistas de dizer adeus a Jorge Jesus e o terror de o ver no Dragão, a fazer aquilo que Vítor Pereira não faz: encher o estádio e potenciar os valores adormecidos e desperdiçados do catálogo azul-e-branco.

Para desempatar este divertidíssimo jogo do gato e do rato, eu, enquanto portista, acho que é Pinto da Costa que pode e deve fazê-lo. Dispensa Vítor Pereira e vai buscar melhor; depois, das duas uma: ou Jesus sai do Benfica e o Benfica vai para pior, ou Jesus permanece no Benfica e com outro e melhor treinador o FC Porto ganhará na mesma. Porque a fórmula de sucesso no FC Porto é esta: 40% das vitórias devem-se a organização e ao presidente; 30% à equipa; 20% aos treinadores; 10% ao público. Mudando o treinador, pouco muda. E se mudar para melhor, mais crescem ainda as hipóteses de sucesso.

3- Depois de ter criticado Bruno de Carvalho pelo que reputo ser a sua irrazoável posição no caso da venda de João Moutinho ao Mónaco que me parece fruto de uma tendência para falar grosso e imponderadamente, talvez corro expediente para afirmar uma autoridade que vai ser difícil de manter em tempos de extrema dificuldade — devo agora elogiá-lo pela entrevista que aqui deu, na semana passada. À medida que vai conhecendo as dossiers do futebol do Sporting, Bruno de Carvalho não consegue deixar de ficar escandalizado com muitas coisas que a mim também me escarnializam e de que aqui venho dando conta, ao longos dos anos. Há demasiada gente a chular os clubes e demasiadamente: comissões escabrosas dos agentes nos negócios de venda, mas também nos de compra e nas renovações de contratos; fundos obscuros a intermediarem os negócios e a partilharem fatias dos jogadores, ora vendendo-as, ora comprando-as; preços de venda anunciados que nunca correspondem (e às vezes nem de perto) aquilo que os clubes efectivamente encaixam; empresários com quem se continua a negociar mesmo depois de terem enfiado vários barretes aos clubes; clubes amigos dos empresários que não pagam o preço a que se obrigaram numa compra até terem vendido esse mesmo jogador a um terceiro clube; e por aí fora, num mundo submerso de negociatas, que, pelos vistos, não preocupa nenhum Conselho Fiscal nem nenhuma CMVM - apesar de os clube serem SAD, com acções cotadas em bolsa, e as quais, apesar de jamais terem remunerado com um euro que fosse os accionistas, são perdulárias a distribuir lucros, quando os há, entre os administradores.

Numa palavra, e como muito bem diz Bruno de Carvalho: um estranho negócio em que os grandes clubes estão arruinados, esmagados por uma dívida absurda, mas toda a gente que gravita a sua volta está rica à conta do clube.

4- Oxalá eu esteja redondamente enganado, mas as minhas esperanças na vitória de Portugal contra a Rússia e no subsequente apuramento para o Mundial do Brasil são mesmo escassas. E não é tanto porque não confie no seleccionador ou nas escolhas dele: é porque não vejo esta Selecção com capacidade de chegar ao Mundial. E, seguramente, das mais fracas Selecções que me lembro de ter visto nos últimos trinta anos. Porém, o futebol é sempre imprevisto e os factores de sucesso de uma Selecção ainda o são mais.

Veja-se o caso do Brasil, que foi buscar Scolari, depois de anos de sucessivos insucessos pela Europa e arredores. Sob o seu comando, o Brasil ainda não conseguiu ganhar um jogo de preparação, mas ninguém se atreve a prognosticar que não consiga ganhar o Mundial, empurrado por todo um povo de 200 milhões de adoradores e a vontade da FIFA.