2- De resto, no campo, continuámos a acumular desaires, frustrações e recordes negativos para a história. Uma sequência de quatro jogos europeus em casa sem ganhar nenhum, a primeira derrota caseira para o campeonato em cinco anos e meio, a primeira derrota com o Estoril no nosso estádio - e tudo a acumular aos outros recordes negativos já registados em breves seis meses por esta equipa para a história. Mas o pior de tudo, a pior notícia de todas, foi a demissão do administrador da SAD Angelino Ferreira.
3- Nunca tive, não tenho e já vou ficando velho para qualquer dia poder vir a ter qualquer apetência de poder. O poder que deriva dos cargos, das situações de liderança, da vá glória de mandar. Ter autoridade, mandar nos outros, influir directamente nas suas vidas, é coisa que nunca me atraiu. Prefiro o poder solitário de pensar por mim e para mim, a grande liberdade de não ter que responder por ninguém que não por mim mesmo, de fazer o que quero, me apetece e me parece justo, de não ter de ganhar a vida em negócios onde se ganham milhões roubados a alguém. Mas não critico os que gostam de mandar, de dirigir, de serem reconhecidos como autoridade. Talvez seja, por vezes, um trabalho sujo, mas alguém tem de o fazer. A razão principal pela qual não alinho no bota-abaixo geral dos políticos, uma actividade tão cara aos portugueses e à sua cidadania de café, é exactamente porque eu não quereria nem o trabalho nem a vida deles. E, acima de tudo, não quereria governar os portugueses. E ainda bem que não tenho essa vocação, pois constato que é mais fácil conquistar o poder do que largá-lo. A política está cheia de exemplos desses - Salazar, Cavaco, Alberto João Jardim, para só falar de alguns dos próximos. E o futebol também - Blatter, Havelange, Platini, Pinto da Costa.
4- A beira de completar 80 anos - uma idade na qual me imagino a desejar apenas voltar a ver Veneza ou Marraquexe, viver ainda manhãs e noites de Verão, ler os livros que nunca li e ver crescer as árvores e netos que plantei — Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do FC Porto há tantos anos quantos os que Jardim leva de presidente da Madeira, e à sua semelhança, não dá quaisquer sinais de querer abdicar de uma migalha que seja do poder, do mando, da glória e do protagonismo do seu cargo. Ninguém lhe pode retirar o direito de o querer nem a legitimidade de, em os sócios querendo, continuar no seu lugar, indiferente à lei da vida.
Porém, a armadilha do poder longamente exercido é que o seu detentor acaba fechado em si mesmo, imaginando que o mundo nunca mudou nem mudará e que o seu génio e a sua glória são de tal modo irradiantes que nenhuma lei da vida os poderá contrariar. E, à medida que as coisas lhes vão escapando progressivamente sem que eles dêem conta disso, a corte que espera a sucessão torna-se impaciente, sôfrega, minada por conspirações, guerras intestinas ou, antecipando o fim de uma era, entrega-se à mais selvagem das actividades humanas, a do «salve-se quem puder, enquanto é tempo».
A longa e pacífica monarquia constitucional que foi o FC Porto de Pinto da Costa, está, como bem notou Vítor Serpa, a degenerar para um Império em decadência — aparentemente final. Estão ali todos os sinais que fazem lembrar o estertor de alguns imperadores romanos e os indícios fatais dos punhais desembainhados nas sombras palacianas da corte. Angelino Ferreira, o tesoureiro do clube, era o mais sério e o mais respeitado dirigente da SAD, dentro e fora do universo portista. A sua saída voluntária e previsivelmente silenciosa não aconteceu nem por cansaço, nem por birra, nem por desentendimentos com Pinto da Costa. Todos os portistas, porém, são capazes de adivinhar porque razão foi. E aquilo que dói é perceber que os adeptos, os sócios, os que verdadeiramente amam o clube, os que com ele gastam tempo, dinheiro e emoções sem jamais esperar receber um euro em troca, sentar-se no camarote presidencial ou receber um Dragão de Ouro, não são tidos nem achados enquanto uns poucos fazem do clube aquilo que querem ou o mais de que são capazes, que é bem pouco, e ficarão até ao fim, a repartir os despojos. Um clube, para mim, não é isto.
5- Sendo este o estado da nacão portista, é bem fácil para os que nos querem mal, dizer que a culpa da situação actual não é do treinador. É verdade que a culpa não é só dele, que o mal começa bem mais acima dele, mas isso não exclui, como é óbvio e visível a olho nu, a responsabilidade do treinador no triste desempenho desta triste equipa. A escolha e manutenção de Paulo Fonseca é reflexo da crise de liderança do clube mas a sua demonstrada incapacidade é um facto por si mesmo. Como aqui escrevi logo em 24 de Setembro (O síndroma do clube pequeno), e numa altura em que, todavia, em sete jogos oficiais, Paulo Fonseca tinha ganho seis e empatado um, tinha ganho a Supertaça e o primeiro jogo, e fora de casa, da Liga dos Campeões, eram para mim já claros «os sinais da mentalidade de um treinador de equipa pequena, que ainda não realizou que está num outro mundo, de exigências e estratégias». E por isso, como então o disse, eu não acreditava que o FC Porto fosse a lado algum com Paulo Fonseca. E, como o escrevi, não se tratava apenas do risco de perder uma época, mas também o de quebrar a cultura de vitória de um clube grande e habituado a ela e de desperdiçar talentos emergentes como Iturbe, Atsu, Kelvin ou Quintero.
É bem verdade que de nada serve ter razão antes de tempo, mas, pelo menos, ninguém me pode acusar de ter esperado pelas derrotas para então extrair fáceis conclusões. Apesar de tudo, não deixa de me espantar a total incapacidade de Paulo Fonseca para ir percebendo alguma coisa com os erros acumulados. Quando lhe perguntaram, no final do jogo com o Estoril, porque não recorrera a um médio criativo como Quintero, ele respondeu que entendera que o jogo não tinha características adequadas para ele. O problema, porém, é que nenhum jogo, do seu ponto de vista, tem as características adequadas para Quintero — visto que nunca o coloca a jogar. E um treinador que não percebe e não aproveita o génio que ali está e, em lugar disso, dedica seis meses a minar-lhe a confiança e a vontade, que o deixa a ele e ao Carlos Eduardo de fora da lista da Champions, pode ser, o que não duvido, muito trabalhador e bem intencionado, mas nunca servirá para um clube grande. Como não servirá um treinador que chama três nomes diferentes ao seu adversário europeu, nunca acertando com o seu verdadeiro nome e deixando, a mim pelo menos, a impressão de que, pura e simplesmente, não conhecia o adversário — e por isso se deixou surpreender por ele daquela forma exemplar que deve passar a constituir matéria de estudo nos cursilhos de Verão onde se formam treinadores.
6- A Champions foi uma vergonha. O campeonato está entregue. Mas, quem sabe, talvez ganhemos em Munique, Dortmund ou Leverkusen, depois de amanhã, e continuemos na Liga Europa. Talvez ganhemos a Taça de Portugal e a Taça da Liga. Talvez fiquemos à frente do Sporting e do Estoril no campeonato. Ainda podemos ter alguns sonhos. Ou ilusões. Já não sei bem qual é a diferença.
PS: A melhor profissão do mundo é ser steward no Estádio da Luz. Provoca-se os jogadores adversários (provado na sentença), arma-se confusão, leva-se uns murros ou pontapés e recebe-se 30.500 euros de indemnização. Já vi mortes valerem bem menos nos tribunais portugueses.