1- Não bastava termos perdido o jogo do Funchal, como todos nós temíamos, e ainda tivemos de ouvir o Danilo no final a dizer a fatídica frase de «há que levantar a cabeça!» — uma das poucas frases em português corrente que os jogadores dos clubes habitualmente perdedores aprenderam a dizer, sem terem sequer de quebrar os neurónios a decifrar as perguntas que lhes são feitas nos fash-interwiew. Agora, pois, e depois de tantos recordes negativos quebrados, tão inabituais derrotas e tantas frustrações acumuladas em apenas cinco meses, o FC Porto de Paulo Fonseca está transformado numa equipa de Há Que Levantar a Cabeça.
Pela parte que me toca, nem levanto nem baixo, já só abano e devagarinho. A verdade, a triste verdade, é que, mais uma vez esta época, dei comigo sem sequer me irritar, pois que a derrota no Funchal se tornara já numa coisa expectável, natural, previsível. Sim, eles só marcaram um golo de penalty caído do céu e nada mais fizeram dai para a frente, senão defenderem-se e atirarem-se para o chão. E, então? Cada um joga com as armas que tem e quem não joga é porque não sabe. E o Marítimo até teve de jogar desprovido da sua principal arma, Heldon, vendido a Bruno de Carvalho pela tal proposta «ridícula» que o estado de necessidade obrigou a engolir. Pela enésima vez, ouvi Paulo Fonseca lastimar-se de que «entrámos mal no jogo», o que demonstra que ele não sabe o que fazer para que isso não aconteça. De cada vez, ele repete os mesmos erros, a mesma absoluta ausência de uma ideia ou estratégia para os jogos, a mesma gente, o futebol libelinha de Varela e o futebol mosca-morta de Defour, e fica à espera que as mesmas asneiras repetidas infinitamente acabem por dar certo um dia. E o mesmo se diga de Pinto da Costa em relação a Paulo Fonseca: enquanto repetirmos aquilo que é evidente para todos, ele teimará em não querer admitir que se enganou na escolha. Adiante. Mesmo com as escorregadelas dos rivais, considero o ano perdido e vou aproveitar para me ocupar de assuntos mais gerais e, talvez, mais úteis. Como, por exemplo, a magna questão da «moralização do futebol português»
2- É uma vergonha que se joguem partidas da primeira divisão em relvados como o dos Barreiros, onde jogou o FC Porto, ou o de Barcelos, onde jogou o Benfica. E é uma vergonha pensar que, em dezasseis estádios da Liga, só cinco têm condições aceitáveis para jogar: Dragão, Luz, Braga, Alvalade e Guimarães. Barcelos e Coimbra também têm as dimensões máximas (e que deveriam ser as mínimas exigíveis), mas os relvados são impraticáveis. Outros têm relvados aceitáveis mas dimensões de futebol de 9, e outros, a maioria, não têm uma coisa nem outra. Neste aspecto, os Barreiros constituem um caso eloquente de falta de respeito pelo futebol: estão ali à vista dezenas de milhões de euros investidos em novas bancadas, numa obra entretanto suspensa até que o Dr. Jardim consiga sacar ao governo mais um perdão sobre o perdão do perdão das dívidas em que vive alambazado há quase 40 anos. Como todo o resto ali, a obra é paga pelos otários contribuintes do continente (incluindo o próprio patrocínio do Marítimo pelo Banif, um banco onde os otários enfiaram mil milhões de euros, que nunca serão pagos). E, com todo este dinheiro gasto e a gastar em novas bancadas, não houve uma alma moralizadora que exigisse em troca que o relvado fosse alargado para dimensões internacionais e que não fosse um campo tipo-chapa ondulada onde a bola não desliza mas progride aos tropeções e um bom jogo de futebol é coisa rigorosamente impossível de acontecer.
Mudar este estado de coisas seria a primeira tarefa de quem quisesse realmente moralizar e melhorar o futebol português. Mas isso não interessa aos autodesignados moralizadores. O que interessa ao Sr. Mário Figueiredo, o triste presidente da Liga, não é garantir condições para que não haja jogos da Liga com 500 espectadores. Não lhe interessa reduzir o numero de clubes da primeira Liga aos que realmente tenham condições para promover o espectáculo, garantir a melhoria do jogo, atrair público. Pelo contrário: para ele, quantos mais melhor, pois é assim que aventureiros como ele, vindos de parte alguma, garantem os votos que os mantêm no poleiro. E já esfrega as mãos de contente, pois que, à custa da reintegração judicial do Boavista (fruto da excelência disciplinar da Liga), se prepara para promover mais outro ainda e aumentar a Liga para 18 clubes - e 12 quintais ou batatais, além do relvado de plástico do Bessa. É a isto que ele chama a sua missão de «defender os clubes contra um sistema instalado». O próximo campeonato vai ser uma festa do futebol!
Infelizmente, olho à roda e não vejo ninguém empenhado em começar por aqui. Há dias, li uma frase que o Eduardo Barroso disse em A Bola TV e que, para mim, resume tudo o que está mal (e juro que não é mesmo embirração minha. Oh, tanta gente com quem eu teria de embirrar antes do Eduardo Barroso!). Disse ele, que a grande maioria dos adeptos, incluindo ele, não vai ao estádio para ver bom futebol, mas sim para ver o seu clube ganhar. Ora, acredite ele ou não, eu sai muitas vezes do Dragão, depois de vitórias do FC Porto, vendo os portistas à minha volta, tal como eu, insatisfeitos com o jogo, porque não prestara e tínhamos dado o tempo por mal empregue. E, quer ele queira acreditar ou não, eu julgo que isto é a marca dos clubes ganhadores: a exigência com a qualidade do futebol apresentado é tão ou mais importante que o próprio resultado. Só nos clubes que não estão habituados a ganhar é que a vitória a qualquer preço é a única coisa que conta. E isso é patente agora na exigência de eliminar o FC Porto da Taça da Liga na secretaria sob um pretexto que, a frio, os devia fazer estremecer de vergonha. E é causa directa da vergonha que é haver clubes que fazem da posse de um relvado impracticável para jogar futebol um instrumento de competitividade. Está tudo intimamente relacionado.
3- Confesso que, na semana passada, com uma viagem pelo meio logo a seguir aos jogos da Taça da Liga, perdi os detalhes do que realmente tinha acontecido e escrevi com base no que vira alegado pelo Sporting e convencido de que a história dos atrasos não passava de um fait divers ridículo, motivado por uma reacção a quente de quem vira o pássaro voar-lhe das mãos no último instante. Mas, depois, descobri que: a) o jogo do Dragão começara apenas com 2.45 minutos de atraso e não 4 ou 5 — e que não dava para perceber que influência isso poderá ter tido, tanto mais que ao intervalo o Porto perdia 2-1 e o Sporting estava empatado, logo apurado; b) que a segunda parte no Dragão começara apenas com 45 segundos (45 segundos!) de atraso e não por responsabilidade do Porto, que até fora a primeira equipe a regressar a campo. À vista destes factos, fiquei sem entender como é que alguém poderia pretender que o FC Porto promoveu um atraso com dolo e destinado a retirar daí vantagens? 45 segundos de diferença? Então e quando os jogos da Taça da Liga, do campeonato, da Taça de Portugal, são disputados em horários e até em dias diferentes? Que mundo de vantagens não se retira daí! E quem é que as retira — quem joga antes ou quem joga depois?
Como disse, julguei que tudo não passava de um episódio ridículo, de mau perder, parte da estratégia de chicana permanente do presidente do Sporting, para consumo interno. Mas quando vi a Liga do Sr. Mário Figueiredo (olha quem!) chamar a si as gravíssimas suspeitas sportinguistas, quando vi toda a nação verde unida nesta moralizadora revolta, quando vi até um homem civilizado, cordato, juiz de um Tribunal Superior, como Abrantes Mendes, sem sequer conhecer os factos concretos da acusação, muito menos a defesa, e sem querer saber da existência de uma relação de causa-efeito, declarar que «os factos falam por si» e logo decretar a sentença condenatória dos malandros portistas, aí parei para pensar melhor.
E, pensando melhor, venho pedir desculpa por dizer isto: acho que nunca assisti a episódio mais ridículo sim, mas também mais eloquente do que é a cegueira clubística, o antidesportivismo, o fanatismo mais primário e, em algumas reacções, a pura e simples desonestidade intelectual. Querem ganhar na secretaria? Façam favor. Ganham hoje e a seguir vão precisar de anos para conseguir apagar a vitória das memórias de toda a gente.
Pela parte que me toca, nem levanto nem baixo, já só abano e devagarinho. A verdade, a triste verdade, é que, mais uma vez esta época, dei comigo sem sequer me irritar, pois que a derrota no Funchal se tornara já numa coisa expectável, natural, previsível. Sim, eles só marcaram um golo de penalty caído do céu e nada mais fizeram dai para a frente, senão defenderem-se e atirarem-se para o chão. E, então? Cada um joga com as armas que tem e quem não joga é porque não sabe. E o Marítimo até teve de jogar desprovido da sua principal arma, Heldon, vendido a Bruno de Carvalho pela tal proposta «ridícula» que o estado de necessidade obrigou a engolir. Pela enésima vez, ouvi Paulo Fonseca lastimar-se de que «entrámos mal no jogo», o que demonstra que ele não sabe o que fazer para que isso não aconteça. De cada vez, ele repete os mesmos erros, a mesma absoluta ausência de uma ideia ou estratégia para os jogos, a mesma gente, o futebol libelinha de Varela e o futebol mosca-morta de Defour, e fica à espera que as mesmas asneiras repetidas infinitamente acabem por dar certo um dia. E o mesmo se diga de Pinto da Costa em relação a Paulo Fonseca: enquanto repetirmos aquilo que é evidente para todos, ele teimará em não querer admitir que se enganou na escolha. Adiante. Mesmo com as escorregadelas dos rivais, considero o ano perdido e vou aproveitar para me ocupar de assuntos mais gerais e, talvez, mais úteis. Como, por exemplo, a magna questão da «moralização do futebol português»
2- É uma vergonha que se joguem partidas da primeira divisão em relvados como o dos Barreiros, onde jogou o FC Porto, ou o de Barcelos, onde jogou o Benfica. E é uma vergonha pensar que, em dezasseis estádios da Liga, só cinco têm condições aceitáveis para jogar: Dragão, Luz, Braga, Alvalade e Guimarães. Barcelos e Coimbra também têm as dimensões máximas (e que deveriam ser as mínimas exigíveis), mas os relvados são impraticáveis. Outros têm relvados aceitáveis mas dimensões de futebol de 9, e outros, a maioria, não têm uma coisa nem outra. Neste aspecto, os Barreiros constituem um caso eloquente de falta de respeito pelo futebol: estão ali à vista dezenas de milhões de euros investidos em novas bancadas, numa obra entretanto suspensa até que o Dr. Jardim consiga sacar ao governo mais um perdão sobre o perdão do perdão das dívidas em que vive alambazado há quase 40 anos. Como todo o resto ali, a obra é paga pelos otários contribuintes do continente (incluindo o próprio patrocínio do Marítimo pelo Banif, um banco onde os otários enfiaram mil milhões de euros, que nunca serão pagos). E, com todo este dinheiro gasto e a gastar em novas bancadas, não houve uma alma moralizadora que exigisse em troca que o relvado fosse alargado para dimensões internacionais e que não fosse um campo tipo-chapa ondulada onde a bola não desliza mas progride aos tropeções e um bom jogo de futebol é coisa rigorosamente impossível de acontecer.
Mudar este estado de coisas seria a primeira tarefa de quem quisesse realmente moralizar e melhorar o futebol português. Mas isso não interessa aos autodesignados moralizadores. O que interessa ao Sr. Mário Figueiredo, o triste presidente da Liga, não é garantir condições para que não haja jogos da Liga com 500 espectadores. Não lhe interessa reduzir o numero de clubes da primeira Liga aos que realmente tenham condições para promover o espectáculo, garantir a melhoria do jogo, atrair público. Pelo contrário: para ele, quantos mais melhor, pois é assim que aventureiros como ele, vindos de parte alguma, garantem os votos que os mantêm no poleiro. E já esfrega as mãos de contente, pois que, à custa da reintegração judicial do Boavista (fruto da excelência disciplinar da Liga), se prepara para promover mais outro ainda e aumentar a Liga para 18 clubes - e 12 quintais ou batatais, além do relvado de plástico do Bessa. É a isto que ele chama a sua missão de «defender os clubes contra um sistema instalado». O próximo campeonato vai ser uma festa do futebol!
Infelizmente, olho à roda e não vejo ninguém empenhado em começar por aqui. Há dias, li uma frase que o Eduardo Barroso disse em A Bola TV e que, para mim, resume tudo o que está mal (e juro que não é mesmo embirração minha. Oh, tanta gente com quem eu teria de embirrar antes do Eduardo Barroso!). Disse ele, que a grande maioria dos adeptos, incluindo ele, não vai ao estádio para ver bom futebol, mas sim para ver o seu clube ganhar. Ora, acredite ele ou não, eu sai muitas vezes do Dragão, depois de vitórias do FC Porto, vendo os portistas à minha volta, tal como eu, insatisfeitos com o jogo, porque não prestara e tínhamos dado o tempo por mal empregue. E, quer ele queira acreditar ou não, eu julgo que isto é a marca dos clubes ganhadores: a exigência com a qualidade do futebol apresentado é tão ou mais importante que o próprio resultado. Só nos clubes que não estão habituados a ganhar é que a vitória a qualquer preço é a única coisa que conta. E isso é patente agora na exigência de eliminar o FC Porto da Taça da Liga na secretaria sob um pretexto que, a frio, os devia fazer estremecer de vergonha. E é causa directa da vergonha que é haver clubes que fazem da posse de um relvado impracticável para jogar futebol um instrumento de competitividade. Está tudo intimamente relacionado.
3- Confesso que, na semana passada, com uma viagem pelo meio logo a seguir aos jogos da Taça da Liga, perdi os detalhes do que realmente tinha acontecido e escrevi com base no que vira alegado pelo Sporting e convencido de que a história dos atrasos não passava de um fait divers ridículo, motivado por uma reacção a quente de quem vira o pássaro voar-lhe das mãos no último instante. Mas, depois, descobri que: a) o jogo do Dragão começara apenas com 2.45 minutos de atraso e não 4 ou 5 — e que não dava para perceber que influência isso poderá ter tido, tanto mais que ao intervalo o Porto perdia 2-1 e o Sporting estava empatado, logo apurado; b) que a segunda parte no Dragão começara apenas com 45 segundos (45 segundos!) de atraso e não por responsabilidade do Porto, que até fora a primeira equipe a regressar a campo. À vista destes factos, fiquei sem entender como é que alguém poderia pretender que o FC Porto promoveu um atraso com dolo e destinado a retirar daí vantagens? 45 segundos de diferença? Então e quando os jogos da Taça da Liga, do campeonato, da Taça de Portugal, são disputados em horários e até em dias diferentes? Que mundo de vantagens não se retira daí! E quem é que as retira — quem joga antes ou quem joga depois?
Como disse, julguei que tudo não passava de um episódio ridículo, de mau perder, parte da estratégia de chicana permanente do presidente do Sporting, para consumo interno. Mas quando vi a Liga do Sr. Mário Figueiredo (olha quem!) chamar a si as gravíssimas suspeitas sportinguistas, quando vi toda a nação verde unida nesta moralizadora revolta, quando vi até um homem civilizado, cordato, juiz de um Tribunal Superior, como Abrantes Mendes, sem sequer conhecer os factos concretos da acusação, muito menos a defesa, e sem querer saber da existência de uma relação de causa-efeito, declarar que «os factos falam por si» e logo decretar a sentença condenatória dos malandros portistas, aí parei para pensar melhor.
E, pensando melhor, venho pedir desculpa por dizer isto: acho que nunca assisti a episódio mais ridículo sim, mas também mais eloquente do que é a cegueira clubística, o antidesportivismo, o fanatismo mais primário e, em algumas reacções, a pura e simples desonestidade intelectual. Querem ganhar na secretaria? Façam favor. Ganham hoje e a seguir vão precisar de anos para conseguir apagar a vitória das memórias de toda a gente.