É segunda-feira do segundo dia de Verão e chove a céu aberto em Lisboa. Junte-se a chuva no Verão à crise e esta à ressaca da madrugada anterior passada a ver a Selecção jogar em Manaus, e temos um diagnóstico infalível de uma nação em profundo estado de depressão. Por mim, que nunca fui dado à histeria patriótica causada pela Selecção nem à veneração daquele grupo de «novos conquistadores» e novos «heróis do mar», que vejo mais facilmente como um grupo de vedetas mimadas, preocupados com penteados, tatuagens, carros e nada mais que se saiba, a queda em desgraça da Selecção nem sequer é motivo de depressão. Seria, se eu apostasse nela as minhas últimas fichas de uma hipótese alternativa de ver o céu azul. Mas, não é o caso: como aqui escrevi, ainda durante a fase de qualificação, esta é uma das Selecções mais fracas de que me lembro. Tem três bons jogadores — Fábio Coentrão, Cristiano e João Moutinho — e os outros são apenas razoáveis, ocasionalmente bons. Estamos no Mundial apenas porque Cristiano marcou 4 golos em dois jogos do play-off e nos comprou o bilhete. Mas agora, com ele e Moutinho em baixa de forma, com Fábio Coentrão arrumado no primeiro jogo, a equipa de Paulo Bento, como o mostrou, não é sequer capaz de levar de vencida uma equipa que não vale nada, como a americana, apesar de ter tido a sorte de marcar um golo caído do céu a abrir o jogo e outro no último de 5 minutos de descontos. Ao contrário do que as vozes habituais puseram a circular, os Estados Unidos não são nenhuma Selecção de atletas, como já se tinha visto contra o Gana e voltou a ver-se anteontem. A obsessão em apresentar todos os adversários como difíceis, até um Uzbequistão, leva à criação de uma cultura de pré-desculpabilização que é o fermento ideal para um equipa de vencidos. Isso e os equívocos de um seleccionador que, em lugar de meter os melhores do momento em cada momento, prefere irritar-se porque um jornal adivinhou a equipa que iria jogar a contra a Alemanha como se houvesse alguma dificuldade em adivinhá-la, visto ser sempre a mesma.
Mas não é esta ainda a altura de fazer o balanço da nossa prestação no Brasil — não vá eu agoirar ou ser acusado de falta de patriotismo. É certo que não acredito em milagres, tanto mais que, pelo que vi até aqui, o Gana é bem melhor equipa do que Portugal. Vamos, pois, fingir acreditar em milagres. Até lá, as razões do nosso mais que provável falhanço requerem uma análise mais pensada e menos a quente como tantas que já vi serem feitas menos de 24 horas após Manaus, e, algumas até, transformando em ferozes críticos quem antes era cordato apoiante de tudo. Alguns dos que agora apressadamente vão de bota a baixo sem freio, eram dos que antes sugeriam como traidores à Pátria quem ousava duvidar do que quer que fosse.
Fica assim o balanço para a semana que vem e apenas não resisto, desde já, a dois desabafos: um, para dizer que não há explicação alguma que nos possa fazer crer na competência de um treinador que prefere jogar com Miguel Veloso do que com William Carvalho — e esse é apenas um dos inúmeros erros de casting cometidos; e o outro desabafo é para dizer que nada nos levaria a poder adivinhar uma Selecção tão mal preparada, em todos e cada um dos aspectos, para disputar um Mundial. Quando isto acabar, devem-nos uma longa explicação. Mas por ora, como disseram o William e o Varela, aliás com grande originalidade, o momento é o de «há que levantar a cabeça» — que parece ser o único pensamento profundo que lhes é contratualmente permitido exprimir, após um desaire.
E eu devo uma retratação, quando aqui previ que iríamos assistir a um mau Mundial, com jogadores cansados e em baixo de forma, jogando a passo e com estratégias super-cautelosas. A minha única desculpa é que essa previsão foi feita depois de adormecer a assistir ao Portugal-Grécia, jogo de preparação, no Jamor. Fui estúpido: tomei aquelas duas equipas por representativas do todo, sem saber que estava perante aquelas que talvez sejam, até agora, as duas piores entre as 32 selecções que disputam este Mundial.
Porque a verdade é que temos assistido a um grande campeonato, com grandes jogos e algumas selecções que, ao contrário da nossa, mostraram ter feito progressos imensos desde a África do Sul. Mais do que isso, temos visto equipas que correm, jogam e lutam até ao fim, marcam golos, protagonizam reviravoltas, estão ali com um sentido de responsabilidade do espectáculo que os brasileiros merecem. O Mundial tem sido salvo pelos jogadores, por aqueles que, como escreveu Santiago Segurola no DN, a propósito do Alemanha-Gana, protagonizam jogos «que dá gosto aos adeptos e desagradam aos treinadores». Ver equipas como o México, a Costa Rica, o Japão, a Coreia do Sul, até o Irão de Carlos Queiroz, a jogarem um futebol aberto e inteligente, que não se julgaria ao alcance delas, é de facto, uma extraordinária novidade. Em oposição, equipas como Portugal, a Grécia (esta um autêntico caso de lesa-futebol), ou o triste Brasil de Scolari (escrevo antes do jogo com os Camarões), arrastam em campo um vedetismo sem sentido nem brilho, que é um misto de preguiça e incompetência.
0 FC Porto é das equipas, a segunda ou terceira, que tem mais jogadores presentes no Mundial. Mas deve ser certamente a primeira em número de jogadores que já foram seus: só na nossa Selecção são sete. Mas, de todos os ex-portistas, o que mais me dói ver em acção é Atsu, esse jogador que Vítor Pereira desprezou e empurrou porta fora e que eu tanto defendi aqui. Também me custa ver o costa-riquenho Bryan Ruiz, um fabuloso número 10, sobre o qual chamei a atenção há uns três anos, quando o seu passe era completamente acessível. E o mesmo direi do argelino Brahimi, de que falei há meses atrás e que hoje já deve custar o dobro. O Mundial está, fatalmente, a revelar vários jogadores que um bom scouting teria detectado antes e que agora é tarde para lhes chegar. Já que se insiste em comprar sempre lá fora, há países que são autênticos viveiros de grandes futebolistas em potência, mas não sei se é por serem baratos e não garantirem grande dinheiro das comissões, ou se é porque o trabalho de prospecção não é feito como devia, escapam aos nossos grandes clubes compradores.
Mas não é esta ainda a altura de fazer o balanço da nossa prestação no Brasil — não vá eu agoirar ou ser acusado de falta de patriotismo. É certo que não acredito em milagres, tanto mais que, pelo que vi até aqui, o Gana é bem melhor equipa do que Portugal. Vamos, pois, fingir acreditar em milagres. Até lá, as razões do nosso mais que provável falhanço requerem uma análise mais pensada e menos a quente como tantas que já vi serem feitas menos de 24 horas após Manaus, e, algumas até, transformando em ferozes críticos quem antes era cordato apoiante de tudo. Alguns dos que agora apressadamente vão de bota a baixo sem freio, eram dos que antes sugeriam como traidores à Pátria quem ousava duvidar do que quer que fosse.
Fica assim o balanço para a semana que vem e apenas não resisto, desde já, a dois desabafos: um, para dizer que não há explicação alguma que nos possa fazer crer na competência de um treinador que prefere jogar com Miguel Veloso do que com William Carvalho — e esse é apenas um dos inúmeros erros de casting cometidos; e o outro desabafo é para dizer que nada nos levaria a poder adivinhar uma Selecção tão mal preparada, em todos e cada um dos aspectos, para disputar um Mundial. Quando isto acabar, devem-nos uma longa explicação. Mas por ora, como disseram o William e o Varela, aliás com grande originalidade, o momento é o de «há que levantar a cabeça» — que parece ser o único pensamento profundo que lhes é contratualmente permitido exprimir, após um desaire.
E eu devo uma retratação, quando aqui previ que iríamos assistir a um mau Mundial, com jogadores cansados e em baixo de forma, jogando a passo e com estratégias super-cautelosas. A minha única desculpa é que essa previsão foi feita depois de adormecer a assistir ao Portugal-Grécia, jogo de preparação, no Jamor. Fui estúpido: tomei aquelas duas equipas por representativas do todo, sem saber que estava perante aquelas que talvez sejam, até agora, as duas piores entre as 32 selecções que disputam este Mundial.
Porque a verdade é que temos assistido a um grande campeonato, com grandes jogos e algumas selecções que, ao contrário da nossa, mostraram ter feito progressos imensos desde a África do Sul. Mais do que isso, temos visto equipas que correm, jogam e lutam até ao fim, marcam golos, protagonizam reviravoltas, estão ali com um sentido de responsabilidade do espectáculo que os brasileiros merecem. O Mundial tem sido salvo pelos jogadores, por aqueles que, como escreveu Santiago Segurola no DN, a propósito do Alemanha-Gana, protagonizam jogos «que dá gosto aos adeptos e desagradam aos treinadores». Ver equipas como o México, a Costa Rica, o Japão, a Coreia do Sul, até o Irão de Carlos Queiroz, a jogarem um futebol aberto e inteligente, que não se julgaria ao alcance delas, é de facto, uma extraordinária novidade. Em oposição, equipas como Portugal, a Grécia (esta um autêntico caso de lesa-futebol), ou o triste Brasil de Scolari (escrevo antes do jogo com os Camarões), arrastam em campo um vedetismo sem sentido nem brilho, que é um misto de preguiça e incompetência.
0 FC Porto é das equipas, a segunda ou terceira, que tem mais jogadores presentes no Mundial. Mas deve ser certamente a primeira em número de jogadores que já foram seus: só na nossa Selecção são sete. Mas, de todos os ex-portistas, o que mais me dói ver em acção é Atsu, esse jogador que Vítor Pereira desprezou e empurrou porta fora e que eu tanto defendi aqui. Também me custa ver o costa-riquenho Bryan Ruiz, um fabuloso número 10, sobre o qual chamei a atenção há uns três anos, quando o seu passe era completamente acessível. E o mesmo direi do argelino Brahimi, de que falei há meses atrás e que hoje já deve custar o dobro. O Mundial está, fatalmente, a revelar vários jogadores que um bom scouting teria detectado antes e que agora é tarde para lhes chegar. Já que se insiste em comprar sempre lá fora, há países que são autênticos viveiros de grandes futebolistas em potência, mas não sei se é por serem baratos e não garantirem grande dinheiro das comissões, ou se é porque o trabalho de prospecção não é feito como devia, escapam aos nossos grandes clubes compradores.