1- A quinze dias da abertura do Mundial, como seria de esperar, nada do que interessava ao Brasil, em termos de infraestruturas, está pronto. Estarão prontos, e alguns apenas à 25ª hora, os estádios considerados necessários para a competição - que não para o pais. Estádios como os de Manaus e Brasília, onde Portugal jogará, que já têm traçado o seu destino de elefantes brancos - além do mais, com custos inevitavelmente ultrapassados em multo. Em contrapartida, aquilo que interessava aos brasileiros comuns - aeroportos, estradas, hospitais, melhorias nas cidades - foi, ou esquecido, ou remendo para calendas brasileiras. A grande empreitada exigida ao Brasil para montar a faustosa festa a que a FIFA chama Mundial de Futebol, está pronta naquilo que imediatamente interessa à FIFA (com a grande incógnita de se saber se a componente fundamental das comunicações funcionará, num país que, até aqui, estava na idade da pedra das comunicações). Mas se, à 25ª hora. a FIFA se poderá dar, se não por satisfeita, ao menos por aliviada, o mesmo não poderão dizer os brasileiros, ao constatarem que quase tudo o que a empreitada tinha a ver com a melhoria das suas condições não estará feito e provavelmente jamais será feito. Ou seja: as sempre invocadas contrapartidas úteis para os países organizadores das grandes competições do futebol actual revelaram-se um embuste - mais um. Se eu fosse brasileiro e vivesse hoje no Brasil, seria, declarada e ferozmente, contra o Mundial.
Acho insustentável que um pais com tantas carências básicas e tanta desigualdade social tenha feito do Mundial, não uma oportunidade de melhorar qualquer coisa, mas sim de se arruinar, gastando dinheiros públicos sem sentido e apenas em benefício de alguns grandes construtores e fornecedores.
2- Porém, se a responsabilidade política dos decisores brasileiros não pode ser escamoteada, também é tempo de se olhar para o resultado devastador da passagem pelos países dessa tenebrosa organização chamada FIFA - aliás, montada, na sua actual natureza de organização meia secreta de negócios obscuros, por um sinistro e condecoradíssimo brasileiro, de seu nome João Havelange. Quanto mais a FIFA foi alargando os Mundiais, até chegar ao inconcebível número actual de 32 participantes, mais a festa se tornou dispendiosa, a sua organização ruinosa e o futebol exibido um pior espectáculo. Mas, em contrapartida, mais a FIFA e as Federações dos países participantes acumulam lucros com os quais sustentam uma vida de verdadeiros nababos dos seus dirigentes. A FIFA e a UEFA. Por isso, não se cansam, de inventar novas provas, como o Mundialito de Clubes ou a Taça das Confederações, ou um novo Europeu em estudo na UEFA. Mas, por onde passam, eles arruínam os países, excepto se já forem ricos e tiverem as infraestruturas de origem ou se forem novos-ricos, como a Rússia ou o Catar, que têm dinheiro de sobra para pagar estas vaidades.
E, desde que paguem, a FIFA aceita ir a jogo. E, pois, sem surpresa alguma para quem está atento a estas coisas, que agora se começa a descobrir como é que um pais tão inverosímil para sediar um Mundial, como o Catar, viu a FIFA atribuir-lhe a responsabilidade de o organizar em 2022: através do suborno de dirigentes das Federações nacionais e da própria FIFA. Para esta camarilha internacional não tem qualquer relevância o facto de o Catar não existir no mundo do futebol, de uma competição aí jogada em Junho e Julho ter de ser feita sob temperaturas de deserto arábico ou de, até à data, já terem morrido duzentos trabalhadores nepaleses, trabalhando em regime de semi-escravatura para que, a tempo e horas, claro, assegurarem os monumentos que a FIFA exige.
3- Nada disto tem que ver com futebol. Tudo tem apenas a ver com os biliões que giram à roda do negócio do futebol e que chegam, a todos os níveis em causa, para alimentar fortunas colossais de uns quantos; dirigentes nacionais e transnacionais, jogadores-vedetas e seus agentes, dirigentes de clubes e intermediários que compram e vendem jogadores e clubes, partilham bocados dos passes dos jogadores através de sociedades off-shore, fugindo ao fisco e vivendo na sombra de todos os negócios. Uma verdadeira máfia sem fronteiras, que vive e se alimenta da aficción do públíco do futebol.
É por isso que, como saberão os meus leitores antigos, eu execro a diarreia nacionalista que se monta nestas ocasiões à volta da Selecção, como se eles fossem os novos (e únicos) heróis da Pátria. Não suporto as campanhas de publicidade sempre com apelos ao patriotismo, como se o patriotismo fosse receber uma fortuna para representar Portugal a dar chutos numa bola. Não suporto as coberturas de imprensa em directo de cada passo dado pelos heróis da Selecção - a saída do estágio, a partida e chegada do autocarro, a zona VIP do aeroporto, o hotel da Selecção, os menus especiais feitos para os heróis, as conferências de imprensa, modelos de banalidade e vacuidade, repetidas e retransmitidas ad nauseum. E o Presidente da República que recebe os heróis e os pré-condecora à partida do solo pátrio, quais Vascos da Gama prestes a arriscarem a vida na travessia do Cabo das Tormentas em demanda da índia. Para mim, patriotismo é outra coisa, muito mais simples e que também não exclui, sendo o caso, os jogadores da Selecção: pagar os impostos devidos, votar nas eleições e dar mais ao seu pais do que aquilo que se recebe dele.
Toda esta diarreia noticiosa, toda esta confusão deliberadamente estabelecida entre futebol e pátria, visa uma única coisa, que a imprensa, consciente ou inconscientemente, alimenta: manter o público mobilizado, manter as multidões cativas. Pois que, sem público e sem multidões, não há dinheiro que sustente o negócio. Não há publicidade, não há transmissões televisivas, não há forma de vender jornais, não há possibilidade de pagar fortunas e cobrar comissões de 10% na venda de um jogador. É preciso que o público continue a acreditar que este é o maior espectáculo do mundo, que afasta e sufoca tudo o resto, pois que ninguém pode adormecer uma noite sem saber que o Raul Meireles fez uma nova tatuagem e sem saber que o Crístiano Ronaldo já faz trabalho de ginásio.
E, todavia, eu adoro futebol. Gosto tanto, que sou capaz deparar e ficar a ver um futebol de praia ou um futebol de rua entre miúdos. Acho o futebol o mais democrático e o mais igualitários de todos os desportos, pois que, no limite, basta apenas uma bola, nem que seja de trapos, e uma baliza delimitada por duas pedras para poder ser jogado. E fascina-me a universalidade do futebol, a sua linguagem simples e intuitiva em cada canto do mundo. Mas a indústria do futebol moderno é o oposto disso: é a sua apropriação por uma seita de abutres, de gente que é capaz de comprar um clube como o Manchester United sem nunca antes ou depois ter ido ao estádio ver um jogo, apenas porque concluiu que a alienação de massas que o futebol consegue gerar como poucas outras actividades é uma oportunidade de negócio imperdível.
E o problema é que quanto mais o futebol custa milhões e gera milhões, mais jogos e mais competições exige, ao ponto em que a repetição, a rotina e o cansaço de atletas e espectadores, irem aos poucos minando o fascínio do jogo. São assim os absurdos Mundiais dos tempos modernos. Se quiserem encontrar um jogo-tipo desse futebol cansado e exaurido de que falo, desse futebol que fatalmente iremos ver no Mundial do Brasil, peguem no Portugal-Grécia de sábado passado. Podem dar-me todas as justificações e desculpas para aquele futebol de eunucos, mas, tanto quanto sei, o espectáculo era pago e houve 35.000 espectadores que pagaram bilhete para assistir àquela tristeza. Pela parte que me toca, agradeço a Paulo Bento, a Fernando Santos e aos seus seleccionados, uma reparadora sesta, que começou aos 20 minutos de jogo e só acabou depois do apito final, com a certeza de que, ao abrir os olhos para ver o resultado final, ele só podia ser o do início: 0-0.
Acho insustentável que um pais com tantas carências básicas e tanta desigualdade social tenha feito do Mundial, não uma oportunidade de melhorar qualquer coisa, mas sim de se arruinar, gastando dinheiros públicos sem sentido e apenas em benefício de alguns grandes construtores e fornecedores.
2- Porém, se a responsabilidade política dos decisores brasileiros não pode ser escamoteada, também é tempo de se olhar para o resultado devastador da passagem pelos países dessa tenebrosa organização chamada FIFA - aliás, montada, na sua actual natureza de organização meia secreta de negócios obscuros, por um sinistro e condecoradíssimo brasileiro, de seu nome João Havelange. Quanto mais a FIFA foi alargando os Mundiais, até chegar ao inconcebível número actual de 32 participantes, mais a festa se tornou dispendiosa, a sua organização ruinosa e o futebol exibido um pior espectáculo. Mas, em contrapartida, mais a FIFA e as Federações dos países participantes acumulam lucros com os quais sustentam uma vida de verdadeiros nababos dos seus dirigentes. A FIFA e a UEFA. Por isso, não se cansam, de inventar novas provas, como o Mundialito de Clubes ou a Taça das Confederações, ou um novo Europeu em estudo na UEFA. Mas, por onde passam, eles arruínam os países, excepto se já forem ricos e tiverem as infraestruturas de origem ou se forem novos-ricos, como a Rússia ou o Catar, que têm dinheiro de sobra para pagar estas vaidades.
E, desde que paguem, a FIFA aceita ir a jogo. E, pois, sem surpresa alguma para quem está atento a estas coisas, que agora se começa a descobrir como é que um pais tão inverosímil para sediar um Mundial, como o Catar, viu a FIFA atribuir-lhe a responsabilidade de o organizar em 2022: através do suborno de dirigentes das Federações nacionais e da própria FIFA. Para esta camarilha internacional não tem qualquer relevância o facto de o Catar não existir no mundo do futebol, de uma competição aí jogada em Junho e Julho ter de ser feita sob temperaturas de deserto arábico ou de, até à data, já terem morrido duzentos trabalhadores nepaleses, trabalhando em regime de semi-escravatura para que, a tempo e horas, claro, assegurarem os monumentos que a FIFA exige.
3- Nada disto tem que ver com futebol. Tudo tem apenas a ver com os biliões que giram à roda do negócio do futebol e que chegam, a todos os níveis em causa, para alimentar fortunas colossais de uns quantos; dirigentes nacionais e transnacionais, jogadores-vedetas e seus agentes, dirigentes de clubes e intermediários que compram e vendem jogadores e clubes, partilham bocados dos passes dos jogadores através de sociedades off-shore, fugindo ao fisco e vivendo na sombra de todos os negócios. Uma verdadeira máfia sem fronteiras, que vive e se alimenta da aficción do públíco do futebol.
É por isso que, como saberão os meus leitores antigos, eu execro a diarreia nacionalista que se monta nestas ocasiões à volta da Selecção, como se eles fossem os novos (e únicos) heróis da Pátria. Não suporto as campanhas de publicidade sempre com apelos ao patriotismo, como se o patriotismo fosse receber uma fortuna para representar Portugal a dar chutos numa bola. Não suporto as coberturas de imprensa em directo de cada passo dado pelos heróis da Selecção - a saída do estágio, a partida e chegada do autocarro, a zona VIP do aeroporto, o hotel da Selecção, os menus especiais feitos para os heróis, as conferências de imprensa, modelos de banalidade e vacuidade, repetidas e retransmitidas ad nauseum. E o Presidente da República que recebe os heróis e os pré-condecora à partida do solo pátrio, quais Vascos da Gama prestes a arriscarem a vida na travessia do Cabo das Tormentas em demanda da índia. Para mim, patriotismo é outra coisa, muito mais simples e que também não exclui, sendo o caso, os jogadores da Selecção: pagar os impostos devidos, votar nas eleições e dar mais ao seu pais do que aquilo que se recebe dele.
Toda esta diarreia noticiosa, toda esta confusão deliberadamente estabelecida entre futebol e pátria, visa uma única coisa, que a imprensa, consciente ou inconscientemente, alimenta: manter o público mobilizado, manter as multidões cativas. Pois que, sem público e sem multidões, não há dinheiro que sustente o negócio. Não há publicidade, não há transmissões televisivas, não há forma de vender jornais, não há possibilidade de pagar fortunas e cobrar comissões de 10% na venda de um jogador. É preciso que o público continue a acreditar que este é o maior espectáculo do mundo, que afasta e sufoca tudo o resto, pois que ninguém pode adormecer uma noite sem saber que o Raul Meireles fez uma nova tatuagem e sem saber que o Crístiano Ronaldo já faz trabalho de ginásio.
E, todavia, eu adoro futebol. Gosto tanto, que sou capaz deparar e ficar a ver um futebol de praia ou um futebol de rua entre miúdos. Acho o futebol o mais democrático e o mais igualitários de todos os desportos, pois que, no limite, basta apenas uma bola, nem que seja de trapos, e uma baliza delimitada por duas pedras para poder ser jogado. E fascina-me a universalidade do futebol, a sua linguagem simples e intuitiva em cada canto do mundo. Mas a indústria do futebol moderno é o oposto disso: é a sua apropriação por uma seita de abutres, de gente que é capaz de comprar um clube como o Manchester United sem nunca antes ou depois ter ido ao estádio ver um jogo, apenas porque concluiu que a alienação de massas que o futebol consegue gerar como poucas outras actividades é uma oportunidade de negócio imperdível.
E o problema é que quanto mais o futebol custa milhões e gera milhões, mais jogos e mais competições exige, ao ponto em que a repetição, a rotina e o cansaço de atletas e espectadores, irem aos poucos minando o fascínio do jogo. São assim os absurdos Mundiais dos tempos modernos. Se quiserem encontrar um jogo-tipo desse futebol cansado e exaurido de que falo, desse futebol que fatalmente iremos ver no Mundial do Brasil, peguem no Portugal-Grécia de sábado passado. Podem dar-me todas as justificações e desculpas para aquele futebol de eunucos, mas, tanto quanto sei, o espectáculo era pago e houve 35.000 espectadores que pagaram bilhete para assistir àquela tristeza. Pela parte que me toca, agradeço a Paulo Bento, a Fernando Santos e aos seus seleccionados, uma reparadora sesta, que começou aos 20 minutos de jogo e só acabou depois do apito final, com a certeza de que, ao abrir os olhos para ver o resultado final, ele só podia ser o do início: 0-0.