1- Com aquele seu tom de voz que parece saído do intestino grosso, o presidente do Sporting brindou-nos com algumas pérolas de português - esse, sem dúvida, todo à roda de coisas ligadas ao intestino grosso. Parece que o tema seria a eleição do futuro presidente da Liga, que não estaria a antever-se de acordo com as pretensões do líder sportinguista. Mas não tenho bem a certeza de que fosse isso, pois que, embrenhado em tanta escatologia, o homem nunca falou claro nem frontalmente, desmentindo o rótulo que gosta de se atribuir de «presidente sem medo», preferindo antes, entre «ventos» e «fezes», ficar-se pelos recados cifrados, as insinuações e as ameaças veladas uma linguagem tão ao gosto dos valentes do futebol português. A imprensa desportiva, que passou um ano a levá-lo ao colo (não deve ter havido um dia, esta época, em que não tivéssemos sido contemplados com os pensamentos profundos de Bruno de Carvalho!), preferiu, desta vez, remeter-se a um pudico silêncio condescendente. E, pela enésima vez, não consigo escapar à pergunta inevitável: e se tem sido o presidente do FC Porto o autor daquele discurso tão edificante? O que restaria de Pinto da Costa depois de uma semana a ser fatalmente apedrejado publicamente por tudo o que é comentador e editorialista? E o jeito que não lhes teria dado um discurso assim tão brega na boca do presidente portista para atestarem que, lá em cima, é assim que se fala, é assim que se pensa, é assim que se degrada o futebol português? Mas, vindo do presidente do Clube dos Viscondes, onde está merda, leiam por favor fezes - que é uma forma erudita de defender a credibilização do futebol português.
Mas, leiamos para além da escatologia. O problema do presidente do Sporting é que, com tanto palco que lhe deram, e que ele aproveitou para uma demagogia desenfreada que a imprensa nunca se atreveu a questionar, ele sabe que, para a época que se segue, já não tem margem de recuo. Se este ano a meta era a Liga dos Campeões, para o ano as expectativas criadas não se contentarão com menos do que o título. Mas, como o titulo, ao contrário do que apregoa Bruno de Carvalho, não se conquista pelo sistema, nem, como ele desejaria, por decreto-lei, resta a hipótese do mérito - uma hipótese jamais levada a sério por qualquer sportinguista que se preze. E percebe-se: o mérito exige um grande treinador, uma grande equipa, muito trabalho, mais organização e profissionalismo e menos palavreado. E isso requer tempo e dinheiro, duas coisas que Bruno de Carvalho não tem: tempo porque o queimou numa fogueira de vaidade claramente superior à sua capacidade; e dinheiro, porque deve 500 milhões. Pode, para tentar enganar papalvos, comprar jogadores por meio milhão ou um milhão de euros a clubes da segunda divisão da Turquia ou de Kansas City, e enfiar-lhes cláusulas de rescisão de 45 milhões para fingir que comprou por tuta e meia extraordinários jogadores que mais ninguém detectou, mas não é assim que terá uma grande equipa, na época que ai vem. A verdade, nua e crua, é que o Sporting actual não vale um segundo lugar na Liga portuguesa e um lugar na Liga dos Campeões. Só lá chegou porque o FC Porto resolveu auto-suicidar-se e porque Leonardo Jardim conseguiu um milagre. Mas, por mais que Marco Silva prove toda a sua valia reconhecida, não é provável, nem que os milagres se repitam, nem que os suicídios possam acontecer duas vezes seguidas.
Por isso, porque já o percebeu, Bruno de Carvalho abriu, com uma antecedência de três meses, a habitual guerra contra o sistema, as forças ocultas e os fantasmas da ópera habituais. E, se isto ainda não começou a sério, imaginem o que não virá aí a partir de Agosto! Vai ser uma época insuportável.
2- Dito isto, também eu (sem verdadeiramente conhecer ou querer conhecer os meandros da coisa) ando estarrecido com o espectáculo, igualmente escatológico, das eleições para a Liga, supostamente amanhã. Os personagens em presença, as suas alianças e traições, o aliciamento escandaloso aos clubes com promessas de Feira da Ladra, tudo aquilo é verdadeiramente eloquente. Mas que grande tacho que deve ser a Liga!
3- Como toda a gente que gosta de futebol, também eu gosto do treinador Jorge Jesus: nos últimos dois anos, não vi aqui melhor futebol do que aquele que o Benfica de Jesus jogou, não este ano (embora tenha chegado largamente para as encomendas locais), mas sim no ano passado, o ano em que tudo perdeu. Mas, se isto é um elogio, eu retiro-o já, para não melindrar o seu destinatário. Pois que, como decretou o próprio do alto da sua cátedra, um licenciado em direito, assim como um médico, não pode, por natureza, perceber nada de futebol. E, assim sendo, nada pior do que um ignorante no assunto, atrever-se a fazer criticas (ou elogios, suponho) a quem, a duras penas, concluiu três patamares daqueles cursilhos de Verão de onde se sai doutorado em treinador de futebol.
Eu compreendo o ponto de vista: Jorge Jesus limita-se a defender o seu couto privado. Eu não contesto que, quem ganha o que ganha Jorge Jesus, quem tem por profissão treinar uma equipa de futebol, tem necessariamente de perceber muito mais do assunto do que o espectador de bancada. Quando tive a sorte de ter uma fugaz percepção do que era José Mourinho a trabalhar, por exemplo, tive uma pequena ideia daquilo que era a minha imensa ignorância na matéria. Mas Mourinho é, de facto, uma excepção — muito poucos o conseguem imitar. No essencial, eu continuo a acreditar nisto: o futebol é um jogo simples que muitos treinadores complicam, ou por auto-defesa ou para poderem argumentar com resultados contra desempenhos. Mas, no essencial e em quase todos os casos, não há nenhum espectador de anos de bancada e que goste de futebol que não seja capaz de perceber quando é que um jogador é bom e quando não presta, quando uma equipa sabe o que faz em campo e quando apenas para ali anda, quando é que o futebol vale a pena ser visto e quando não passa de um embuste.
O que o futebol tem de mais democrático e o que justifica toda a paixão com que é vivido pelos adeptos é justamente o facto de ser um jogo facilmente entendível por quem está habituado a vê-lo. Não é uma ópera nem um filme do Manoel de Oliveira. No dia em que os médicos ou os advogados, os contabilistas ou os electricistas, tenham de pagar bilhete para ficar mudos e calados, no dia em que não lhes seja permitido manifestar opinião sobre o desempenho de uma equipa, de um treinador ou de um jogador, todo o show-business em que Jorge Jesus habita luxuosamente estará ameaçado. E já faltou mais. Como diz Tostão — o ponta-de-lança do inesquecível Brasil do Mundial de 72, e depois treinador, médico e actualmente comentador — «o que mais me fascina no futebol é aquilo que eu não consigo entender nem explicar». Ouviu, Jorge Jesus?
4- As lesões de Ribery e de Réus, ajuntar a todas as outras, tornaram actual uma discussão que para aqui puxei, quando do Mundial da África do Sul: se os Mundiais são, por excelência, a montra do futebol, não podem ser disputados no final da época, quando os melhores jogadores já estão massacrados ou saturados de futebol. Se os ilustres cappi do futebol mundial, os Blatter e Platinis, se preocupassem mais com o espectáculo e menos com os lugares luxuosos que garantiram, a discussão merecia ser levada até ao fim. Assim, resta-nos esperar que o Mundial do Brasil, que agora começa, possa ser, contra todas as contrariedades, uma homenagem ao futebol. Pessoalmente, desejo isso e desejo também que a bola comece a rolar rapidamente para que eu possa esquecer a fase da náusea publicitária-patriótica e possa começar a torcer e a sofrer por Portugal.
Mas, leiamos para além da escatologia. O problema do presidente do Sporting é que, com tanto palco que lhe deram, e que ele aproveitou para uma demagogia desenfreada que a imprensa nunca se atreveu a questionar, ele sabe que, para a época que se segue, já não tem margem de recuo. Se este ano a meta era a Liga dos Campeões, para o ano as expectativas criadas não se contentarão com menos do que o título. Mas, como o titulo, ao contrário do que apregoa Bruno de Carvalho, não se conquista pelo sistema, nem, como ele desejaria, por decreto-lei, resta a hipótese do mérito - uma hipótese jamais levada a sério por qualquer sportinguista que se preze. E percebe-se: o mérito exige um grande treinador, uma grande equipa, muito trabalho, mais organização e profissionalismo e menos palavreado. E isso requer tempo e dinheiro, duas coisas que Bruno de Carvalho não tem: tempo porque o queimou numa fogueira de vaidade claramente superior à sua capacidade; e dinheiro, porque deve 500 milhões. Pode, para tentar enganar papalvos, comprar jogadores por meio milhão ou um milhão de euros a clubes da segunda divisão da Turquia ou de Kansas City, e enfiar-lhes cláusulas de rescisão de 45 milhões para fingir que comprou por tuta e meia extraordinários jogadores que mais ninguém detectou, mas não é assim que terá uma grande equipa, na época que ai vem. A verdade, nua e crua, é que o Sporting actual não vale um segundo lugar na Liga portuguesa e um lugar na Liga dos Campeões. Só lá chegou porque o FC Porto resolveu auto-suicidar-se e porque Leonardo Jardim conseguiu um milagre. Mas, por mais que Marco Silva prove toda a sua valia reconhecida, não é provável, nem que os milagres se repitam, nem que os suicídios possam acontecer duas vezes seguidas.
Por isso, porque já o percebeu, Bruno de Carvalho abriu, com uma antecedência de três meses, a habitual guerra contra o sistema, as forças ocultas e os fantasmas da ópera habituais. E, se isto ainda não começou a sério, imaginem o que não virá aí a partir de Agosto! Vai ser uma época insuportável.
2- Dito isto, também eu (sem verdadeiramente conhecer ou querer conhecer os meandros da coisa) ando estarrecido com o espectáculo, igualmente escatológico, das eleições para a Liga, supostamente amanhã. Os personagens em presença, as suas alianças e traições, o aliciamento escandaloso aos clubes com promessas de Feira da Ladra, tudo aquilo é verdadeiramente eloquente. Mas que grande tacho que deve ser a Liga!
3- Como toda a gente que gosta de futebol, também eu gosto do treinador Jorge Jesus: nos últimos dois anos, não vi aqui melhor futebol do que aquele que o Benfica de Jesus jogou, não este ano (embora tenha chegado largamente para as encomendas locais), mas sim no ano passado, o ano em que tudo perdeu. Mas, se isto é um elogio, eu retiro-o já, para não melindrar o seu destinatário. Pois que, como decretou o próprio do alto da sua cátedra, um licenciado em direito, assim como um médico, não pode, por natureza, perceber nada de futebol. E, assim sendo, nada pior do que um ignorante no assunto, atrever-se a fazer criticas (ou elogios, suponho) a quem, a duras penas, concluiu três patamares daqueles cursilhos de Verão de onde se sai doutorado em treinador de futebol.
Eu compreendo o ponto de vista: Jorge Jesus limita-se a defender o seu couto privado. Eu não contesto que, quem ganha o que ganha Jorge Jesus, quem tem por profissão treinar uma equipa de futebol, tem necessariamente de perceber muito mais do assunto do que o espectador de bancada. Quando tive a sorte de ter uma fugaz percepção do que era José Mourinho a trabalhar, por exemplo, tive uma pequena ideia daquilo que era a minha imensa ignorância na matéria. Mas Mourinho é, de facto, uma excepção — muito poucos o conseguem imitar. No essencial, eu continuo a acreditar nisto: o futebol é um jogo simples que muitos treinadores complicam, ou por auto-defesa ou para poderem argumentar com resultados contra desempenhos. Mas, no essencial e em quase todos os casos, não há nenhum espectador de anos de bancada e que goste de futebol que não seja capaz de perceber quando é que um jogador é bom e quando não presta, quando uma equipa sabe o que faz em campo e quando apenas para ali anda, quando é que o futebol vale a pena ser visto e quando não passa de um embuste.
O que o futebol tem de mais democrático e o que justifica toda a paixão com que é vivido pelos adeptos é justamente o facto de ser um jogo facilmente entendível por quem está habituado a vê-lo. Não é uma ópera nem um filme do Manoel de Oliveira. No dia em que os médicos ou os advogados, os contabilistas ou os electricistas, tenham de pagar bilhete para ficar mudos e calados, no dia em que não lhes seja permitido manifestar opinião sobre o desempenho de uma equipa, de um treinador ou de um jogador, todo o show-business em que Jorge Jesus habita luxuosamente estará ameaçado. E já faltou mais. Como diz Tostão — o ponta-de-lança do inesquecível Brasil do Mundial de 72, e depois treinador, médico e actualmente comentador — «o que mais me fascina no futebol é aquilo que eu não consigo entender nem explicar». Ouviu, Jorge Jesus?
4- As lesões de Ribery e de Réus, ajuntar a todas as outras, tornaram actual uma discussão que para aqui puxei, quando do Mundial da África do Sul: se os Mundiais são, por excelência, a montra do futebol, não podem ser disputados no final da época, quando os melhores jogadores já estão massacrados ou saturados de futebol. Se os ilustres cappi do futebol mundial, os Blatter e Platinis, se preocupassem mais com o espectáculo e menos com os lugares luxuosos que garantiram, a discussão merecia ser levada até ao fim. Assim, resta-nos esperar que o Mundial do Brasil, que agora começa, possa ser, contra todas as contrariedades, uma homenagem ao futebol. Pessoalmente, desejo isso e desejo também que a bola comece a rolar rapidamente para que eu possa esquecer a fase da náusea publicitária-patriótica e possa começar a torcer e a sofrer por Portugal.