Já passaram dez dias desde então, mas o manto de silêncio, hipocrisia e encobrimento que caiu sobre os graves incidentes ocorridos do Dragão, antes do FC Porto-Sporting, exigem-me que volte ao assunto, pois que é para isso também que aqui escrevo. Recapitulemos então, ponto por ponto.
a) - Um comando de cerca de uma centena de betinhos fascistas, ignorantemente vestidos de camisas negras e saloiamente designados por Sporting Casuais, desceram toda a alameda do Dragão agredindo e apedrejando toda a gente que encontraram à passagem e que pacificamente se dirigia para o estádio, numa operação montada e planeada ao pormenor, de modo a colherem a polícia de surpresa. Espalhados o terror a violência no exterior do estádio, tentaram depois invadi-lo, entrando pela porta de acesso das claques leoninas tradicionais, tendo porém sido travados pela actuação firme e decidida dos stewards de serviço. Se tem conseguido entrar, é muito provável que tivessem suscitado um movimento de pânico colectivo entre uma multidão encerrada dentro de um recinto fechado. Foi assim que começou Heysel...
b) - Mais tarde, e dentro do tristemente habitual, foram as outras claques do Sporting que se envolveram em cenas de violência com os stewards no interior do estádio e procederam ao ritual de arrancar as cadeiras, porque preferiram ver o jogo de pé.
c) -No dia seguinte, segunda-feira, a direcção do Sporting Clube de Portugal, fazia publicar um dos seus inúmeros comunicados - talvez o 76/2013- em que acusava o FC Porto de uma série de «episódios extra-espectáculo, que em nada dignificam o futebol e a sua promoção...» tais como «agressões a adeptos sportinguistas e acontecimentos mais graves em que apenas se conseguem identificar adeptos do FC Porto». Posto o que, os gentlemen de serviço ao futebol português se ocupavam em dar uma lição de moral e boas maneiras aos portistas: «Há coisas na vida que nunca mudam, a nobreza de carácter é uma delas, ou se tem, ou não» (a pontuação é deles). «A grandeza - prosseguiam os cavalheiros leoninos - é vencer, saber vencer, saber perder, saber estar, algo que não está ao alcance de todos».
d) Dois dias depois, terça-feira, sem que a PSP tivesse ainda divulgado os dados indentificativos referentes ao bando desordeiro, a imprensa desportiva lisboeta esforçava-se por semear a confusão e a desinformação, sugerindo que as responsabilidades pelo sucedido se dividiam. Por todos, o Record foi o que ousou mais longe: por baixo da título garrafal «Vergonha», o jornal escrevia: «líder dos super-dragões nos centro dos confrontos» - socorrendo-se para tal de uma fotografia onde Fernando Madureira aparece no meio de um aglomerado de gente. Aqui e ali, escreviam-se os habituais textos censurando a violência, em geral e em abstracto, com um cuidado extremo de evitar a atribuição de responsabilidades.
e) Ao final desse mesmo dia, a PSP divulgava a identificação de 94 indivíduos do comando de camisas negras detidos no local: eram todos adeptos do Sporting, com tatuagens e equipamentos que os denunciavam por baixos das camisas negras, e integrantes do tal Sporting Casuais.
f) No dia seguinte, quarta-feira, na sua habitual coluna aqui na Bola, Eduardo Barroso (confessando nada ter visto e ouvido, apenas «sentido» e tomado conhecimento por SMS), dizia ser necessário condenar e responsabilizar os protagonistas, «mas, mais lamentável ainda, é tentar responsabilizar o nosso presidente por esses factos» (como ninguém o havia feito, a afirmação de Eduardo Barroso não deixou de parecer estranha...). E, adiante, afirmando que a Liga devia investigar os acontecimentos fora do estádio, acrescentava, porém, que devia também «investigar a maneira como o FC Porto recebeu o grande Sporting Clube de Portugal. Não pode valer tudo, da parte de uns senhores que se habituaram longos anos a uma impunidade total».
Ora, a «maneira como o FC Porto recebeu» o Sporting foi esta: não houve, antes ou depois do jogo, e por contraste, qualquer declaração de dirigentes ou responsáveis portistas ou qualquer comunicado da sua direcção, nem sequer sobre os incidentes ocorridos ou em resposta ao comunicado do Sporting e às ofensas dele constantes. Nada, nem uma palavra: um silêncio total. Não houve - antes, durante ou depois do jogo - qualquer incidente, provocado por dirigentes, jogadores ou adeptos, envolvendo o autocarro do clube, o hotel onde dormiram, a comitiva, os adeptos leoninos, as deslocações de e para o estádio: nada.
E o «vale tudo» de que Eduardo Barroso terá tido conhecimento por SMS, vem detalhado no comunicado do Sporting e vale a pena reter; na sala de treinadores só ha via três cadeiras (mas quantos treinadores levou o Sporting ao Dragão?); bolas que os jogadores leoninos enviaram para a banca da durante o aquecimento, não foram devolvidas pelo público; o staff do Sporting foi impedido de verificar se as cadeiras da zona das claques leoninas estavam bem presas ao chão, não podendo depois contestar que elas tinham sido arrancadas por eles (ou seja : o Sporting reclama competência para, a par da Liga, dos Bombeiros e da PSP, poder também verificar previamente as condições dos estádios onde vai jogar, incluindo as cadeiras); e, finalmente, «foram facilitadas as condições» (?!) para que o presidente do Sporting ouvisse «bocas» vindas da bancada (coitadinho!), e fosse alvo de «ar remesso de objectos» (coisa que nenhuma imagem documentou e nenhum testemunho referiu).
«Impunidade»? «Vale tudo»? «Falta de nobreza de carácter»? «Complexo de inferioridade»? Sabem o que vos digo? Na atitude de espalha ódios, no confronto deliberado e gratuito com o FC Porto, no populismo, na demagogia, na facilidade de mentir sem pudor e na protecção de que goza na imprensa, este novo Sporting está a ficar cada vez mais parecido com o Benfica de Vale e Azevedo. Depois não digam que não adivinhavam.
g) - Identificados, sem margem para qualquer disfarce, os responsáveis pela cena jamais vista num estádio português, foi como se o assunto estivesse morto e enterrado. A «vergonha» de que falava o Record deu lugar a um silêncio absoluto na imprensa desportiva de Lisboa. A mesma imprensa que, por causa de uma arruaçazinha no túnel da Luz, longe da vista de todos e jamais esclarecida, gastou o tempo e o espaço necessários para retirar o Hulk do campeonato (e o conseguiu durante quatro determinantes meses), passou a achar que o aparecimento de um comando proto-fascista num estádio, com o objectivo de espalhar o terror e, a prazo, afastar do futebol o público que não é arruaceiro, afinal não merecia nem mais uma linha de meditação.
O governo, que é o responsável último pela segurança pública e que emitiu uma solene declaração do conselho de ministros contra o «Sr. Blatter» por ter gozado com a bandeira nacional, perdão, com o Cristiano Ronaldo, não teve uma palavra sequer acerca do ocorrido no Dragão. Nem o sr. ministro da Administração Interna nem o que tutela o Desporto, acharam politicamente conveniente indispor o eleitorado sportinguista. E, assim procedendo, deram à PSP um recado que a fará seguramente meditar, no futuro: em certas ocasiões, não vale a pena incomodarem-se em reprimir arruaças e deter e identificar arruaceiros, porque não terão a cobertura politica do governo. Estão por sua conta e risco.
E a Liga de Clubes - cujo presidente anda muito interessado no dinheiro das transmissões televisivas, mas que não se dá a qualquer incómodo para melhorar o espectáculo do futebol em Portugal, designadamente, impedindo que, ao menos na primeira Liga, se possa jogar em relvados como o do Restelo resolveu o assunto à boa e velha maneira salomónica: 320 euros de multa ao Sporting e 260 ao F.C. Porto, «por mau comportamento do público».
Daria vontade de rir, se a coisa não fosse séria e não pudesse ter acabado por ser trágica. Deixem-se de hipocrisias: sempre aqui defendi que arruaceiros há em todos os clubes e que os clubes não podem ser directamente responsabilizados pelo comportamento dos seus adeptos, que não controlam. Mas, alto! Desde que: a) não colaborem, directa ou disfarçadamente com as actividades à margem da lei das claques; e b) não ocultem, não neguem e finjam não ver os actos criminosos destas.
O que aconteceu no Dragão pode ser o prenúncio de tempos muito feios para o futebol português. E os que calam, que disfarçam, que mentem, são cúmplices do mais que vier a acontecer.
a) - Um comando de cerca de uma centena de betinhos fascistas, ignorantemente vestidos de camisas negras e saloiamente designados por Sporting Casuais, desceram toda a alameda do Dragão agredindo e apedrejando toda a gente que encontraram à passagem e que pacificamente se dirigia para o estádio, numa operação montada e planeada ao pormenor, de modo a colherem a polícia de surpresa. Espalhados o terror a violência no exterior do estádio, tentaram depois invadi-lo, entrando pela porta de acesso das claques leoninas tradicionais, tendo porém sido travados pela actuação firme e decidida dos stewards de serviço. Se tem conseguido entrar, é muito provável que tivessem suscitado um movimento de pânico colectivo entre uma multidão encerrada dentro de um recinto fechado. Foi assim que começou Heysel...
b) - Mais tarde, e dentro do tristemente habitual, foram as outras claques do Sporting que se envolveram em cenas de violência com os stewards no interior do estádio e procederam ao ritual de arrancar as cadeiras, porque preferiram ver o jogo de pé.
c) -No dia seguinte, segunda-feira, a direcção do Sporting Clube de Portugal, fazia publicar um dos seus inúmeros comunicados - talvez o 76/2013- em que acusava o FC Porto de uma série de «episódios extra-espectáculo, que em nada dignificam o futebol e a sua promoção...» tais como «agressões a adeptos sportinguistas e acontecimentos mais graves em que apenas se conseguem identificar adeptos do FC Porto». Posto o que, os gentlemen de serviço ao futebol português se ocupavam em dar uma lição de moral e boas maneiras aos portistas: «Há coisas na vida que nunca mudam, a nobreza de carácter é uma delas, ou se tem, ou não» (a pontuação é deles). «A grandeza - prosseguiam os cavalheiros leoninos - é vencer, saber vencer, saber perder, saber estar, algo que não está ao alcance de todos».
d) Dois dias depois, terça-feira, sem que a PSP tivesse ainda divulgado os dados indentificativos referentes ao bando desordeiro, a imprensa desportiva lisboeta esforçava-se por semear a confusão e a desinformação, sugerindo que as responsabilidades pelo sucedido se dividiam. Por todos, o Record foi o que ousou mais longe: por baixo da título garrafal «Vergonha», o jornal escrevia: «líder dos super-dragões nos centro dos confrontos» - socorrendo-se para tal de uma fotografia onde Fernando Madureira aparece no meio de um aglomerado de gente. Aqui e ali, escreviam-se os habituais textos censurando a violência, em geral e em abstracto, com um cuidado extremo de evitar a atribuição de responsabilidades.
e) Ao final desse mesmo dia, a PSP divulgava a identificação de 94 indivíduos do comando de camisas negras detidos no local: eram todos adeptos do Sporting, com tatuagens e equipamentos que os denunciavam por baixos das camisas negras, e integrantes do tal Sporting Casuais.
f) No dia seguinte, quarta-feira, na sua habitual coluna aqui na Bola, Eduardo Barroso (confessando nada ter visto e ouvido, apenas «sentido» e tomado conhecimento por SMS), dizia ser necessário condenar e responsabilizar os protagonistas, «mas, mais lamentável ainda, é tentar responsabilizar o nosso presidente por esses factos» (como ninguém o havia feito, a afirmação de Eduardo Barroso não deixou de parecer estranha...). E, adiante, afirmando que a Liga devia investigar os acontecimentos fora do estádio, acrescentava, porém, que devia também «investigar a maneira como o FC Porto recebeu o grande Sporting Clube de Portugal. Não pode valer tudo, da parte de uns senhores que se habituaram longos anos a uma impunidade total».
Ora, a «maneira como o FC Porto recebeu» o Sporting foi esta: não houve, antes ou depois do jogo, e por contraste, qualquer declaração de dirigentes ou responsáveis portistas ou qualquer comunicado da sua direcção, nem sequer sobre os incidentes ocorridos ou em resposta ao comunicado do Sporting e às ofensas dele constantes. Nada, nem uma palavra: um silêncio total. Não houve - antes, durante ou depois do jogo - qualquer incidente, provocado por dirigentes, jogadores ou adeptos, envolvendo o autocarro do clube, o hotel onde dormiram, a comitiva, os adeptos leoninos, as deslocações de e para o estádio: nada.
E o «vale tudo» de que Eduardo Barroso terá tido conhecimento por SMS, vem detalhado no comunicado do Sporting e vale a pena reter; na sala de treinadores só ha via três cadeiras (mas quantos treinadores levou o Sporting ao Dragão?); bolas que os jogadores leoninos enviaram para a banca da durante o aquecimento, não foram devolvidas pelo público; o staff do Sporting foi impedido de verificar se as cadeiras da zona das claques leoninas estavam bem presas ao chão, não podendo depois contestar que elas tinham sido arrancadas por eles (ou seja : o Sporting reclama competência para, a par da Liga, dos Bombeiros e da PSP, poder também verificar previamente as condições dos estádios onde vai jogar, incluindo as cadeiras); e, finalmente, «foram facilitadas as condições» (?!) para que o presidente do Sporting ouvisse «bocas» vindas da bancada (coitadinho!), e fosse alvo de «ar remesso de objectos» (coisa que nenhuma imagem documentou e nenhum testemunho referiu).
«Impunidade»? «Vale tudo»? «Falta de nobreza de carácter»? «Complexo de inferioridade»? Sabem o que vos digo? Na atitude de espalha ódios, no confronto deliberado e gratuito com o FC Porto, no populismo, na demagogia, na facilidade de mentir sem pudor e na protecção de que goza na imprensa, este novo Sporting está a ficar cada vez mais parecido com o Benfica de Vale e Azevedo. Depois não digam que não adivinhavam.
g) - Identificados, sem margem para qualquer disfarce, os responsáveis pela cena jamais vista num estádio português, foi como se o assunto estivesse morto e enterrado. A «vergonha» de que falava o Record deu lugar a um silêncio absoluto na imprensa desportiva de Lisboa. A mesma imprensa que, por causa de uma arruaçazinha no túnel da Luz, longe da vista de todos e jamais esclarecida, gastou o tempo e o espaço necessários para retirar o Hulk do campeonato (e o conseguiu durante quatro determinantes meses), passou a achar que o aparecimento de um comando proto-fascista num estádio, com o objectivo de espalhar o terror e, a prazo, afastar do futebol o público que não é arruaceiro, afinal não merecia nem mais uma linha de meditação.
O governo, que é o responsável último pela segurança pública e que emitiu uma solene declaração do conselho de ministros contra o «Sr. Blatter» por ter gozado com a bandeira nacional, perdão, com o Cristiano Ronaldo, não teve uma palavra sequer acerca do ocorrido no Dragão. Nem o sr. ministro da Administração Interna nem o que tutela o Desporto, acharam politicamente conveniente indispor o eleitorado sportinguista. E, assim procedendo, deram à PSP um recado que a fará seguramente meditar, no futuro: em certas ocasiões, não vale a pena incomodarem-se em reprimir arruaças e deter e identificar arruaceiros, porque não terão a cobertura politica do governo. Estão por sua conta e risco.
E a Liga de Clubes - cujo presidente anda muito interessado no dinheiro das transmissões televisivas, mas que não se dá a qualquer incómodo para melhorar o espectáculo do futebol em Portugal, designadamente, impedindo que, ao menos na primeira Liga, se possa jogar em relvados como o do Restelo resolveu o assunto à boa e velha maneira salomónica: 320 euros de multa ao Sporting e 260 ao F.C. Porto, «por mau comportamento do público».
Daria vontade de rir, se a coisa não fosse séria e não pudesse ter acabado por ser trágica. Deixem-se de hipocrisias: sempre aqui defendi que arruaceiros há em todos os clubes e que os clubes não podem ser directamente responsabilizados pelo comportamento dos seus adeptos, que não controlam. Mas, alto! Desde que: a) não colaborem, directa ou disfarçadamente com as actividades à margem da lei das claques; e b) não ocultem, não neguem e finjam não ver os actos criminosos destas.
O que aconteceu no Dragão pode ser o prenúncio de tempos muito feios para o futebol português. E os que calam, que disfarçam, que mentem, são cúmplices do mais que vier a acontecer.