1- A grande notícia para nós, portistas, não é apenas o súbito aparecimento de Carlos Eduardo, mas também a certeza de que, desta vez, Paulo Fonseca não se vai atrever a descartá-lo e arrumá-lo, como fez com talentos como Atsu, Iturbe, Kelvin, Quintero e o próprio Carlos Eduardo - que esteve cinco meses a vegetar na equipa B, afastado do Dragão e da Champions, porque, segundo a luminosa visão de Paulo Fonseca, tinha de aprender a jogar em 60 metros e não em 30 ou 40. Seja isso o que for, presume-se que o terá aprendido na equipa B, a tempo de ter aparecido no Dragão, na segunda parte do jogo contra o Braga, para mudar de alto a baixo, não apenas aquele soporífero meio-campo, mas igualmente todo o futebol congeminado por Paulo Fonseca, feito de triângulos invertidos, extremos que não iam à linha, um ponta-de-lança de luxo sem ninguém que o servisse, fantasmas vagueando sem espaços definidos nem missões inteligíveis e uma abundância de passes e mais passes para o lado e para trás numa enjoativa estratégia de coisa nenhuma a que ele chamava, todo contente, «posse de bola».
Dilecto membro da escola de treinadores portugueses que se batem pelo resultado e não pelo jogo, que preferem as estatísticas aos riscos da vitória, mestres de um futebol inspirado no xadrez, feito de contenção, cautelas e espreita de uma oportunidade bastante, Paulo Fonseca, tal como o seu antecessor, teme, por natureza, os jogadores que desequilibram, que rompem e rasgam, que se estão nas tintas para aqueles laboriosos esquemas cheios de setinhas e linhas de progressão que os adjuntos lhes mostram antes de os deixar ir a jogo, como se de uma ciência oculta se tratasse. Nunca mais me hei-de esquecer de que foi graças àquilo a que Vítor Pereira, num momento de honestidade involuntária, chamou a «irresponsabilidade de Kelvin» que o FC Porto ganhou o último campeonato ao Benfica. Se, ao minuto 92 do jogo do Dragão, o jovem extremo portista se tem lembrado de cumprir as instruções constantes do esquema que lhe foi apresentado quando, em desespero de causa, Vítor Pereira o mandou a jogo, em lugar de resolver romper por ali adiante, tirando um adversário da frente e rematando cruza do a 30 metros de distância, jamais teríamos visto Jesus de joelhos.
Contando com o jogo com o Braga, Carlos Eduardo vai em três exibições consecutivas de encher o olho, jogando permanentemente para a frente, com os olhos postos na jogada seguinte e sempre com um sorrido de miúdo que se diverte a jogar. Cobra livres e cantos na perfeição (mas estes apenas do lado esquerdo do ataque, como é próprio de um jogador dextro, coisa que Paulo Fonseca ainda não conseguiu perceber). Jogando numa equipa como o FC Porto, ele assimilou um estatuto que o seu treinador ainda não realizou: a obrigação de jogar para o golo, jogar para ganhar, desde o primeiro ao último minuto. E, por isso, esta «fábrica de bom futebol», como lhe chamou Luís Freitas Lobo, não apenas empurra toda a equipa para a frente, abrindo espaços e inventando linhas, como aparece até a finalizar de meia distância, conforme compete a um médio ofensivo. Scolari, que logicamente nunca tinha ouvido falar dele e que foi ao Dragão ver o Fernando, parece que saiu de lá com a pulga atrás da orelha, depois de ver Carlos Eduardo.
Obviamente, com Paulo Fonseca, nada disto chegaria para garantir que o rapaz tinha o seu futuro assegurado como titular da equipa. É típico dos treinadores da escola dele exigirem tudo e sempre dos grandes jogadores, ao passo que aceitam que os jogadores banais prossigam eternamente a sua banalidade. (Desta vez, e já por misericórdia, nem vou revelar a estatística do desempenho de Varela, no jogo contra o Olhanense. Direi apenas que, num jogo em que a equipa esteve sempre ao ataque e fez quatro golos, ele, além de um golo inacreditavelmente falhado na cara do guarda-redes, em nada contribuiu para o caudal ofensivo da equipa. E, quando digo nada, é nada mesmo. Estatisticamente). Mas, voltando ao destino de Carlos Eduardo, direi que Juan Quintero, um talento de excepção, também começou assim, resolvendo logo dois jogos de entrada a Paulo Fonseca. Porém, na primeira oportunidade e aproveitando até uma lesão passageira do colombiano, Paulo Fonseca encostou-o logo às boxes, para dar o lugar ao Defour, o tipo de jogador de que ele gosta. Só que, desta vez, já seria demais: creio que até Pinto da Costa se sentiria obrigado a meter-se ao barulho, evitando que o treinador que escolheu continue a aniquilar todos os talentos que lhe puseram nas mãos e a desbaratar os investimentos feitos em jogadores como Iturbe ou Quintero — que, passados uns meses, já só querem é ir-se embora, e com toda a razão. Quem prefere Defour, Josué, Varela e Licá, não merece o Iturbe, o Atsu, o Quintero, o Carlos Eduardo. Mas, depois de ter enxovalhado o símbolo do clube numa participação má de mais na Liga dos Campeões, depois de conseguir que o Sporting, que só tem dois jogadores bons, se bata de igual para igual contra um plantel de 100 milhões, eu quero acreditar que a condescendência para com a cultura Paços de Ferreira de Paulo Fonseca tenha, finalmente, chegado ao fim. A tempo de, pelo menos, salvar a pele ao Carlos Eduardo e, talvez assim, devolver os espectadores às bancadas do Dragão.
2- É sabido que o FC Porto parece ter assumido já uma maldição em relação à Taça da Liga, o único troféu português que continua a escapar-lhe. De tal forma que todos os anos os treinadores hesitam entre apostar em pôr termo à maldição ou assumi-la, desvalorizando a participação nela e assim, por antecipação, desvalorizando também novo falhanço. Há quem agradeça esta última opção, a começar por Jorge Jesus, que, à conta da Taça da Liga, se pode gabar dos troféus conquistados e assim justificar os quatro milhões de euros que recebe anualmente do Benfica...para conquistar Taças da Liga.
Paulo Fonseca parece ter optado também por entregar à partida esta nova edição da Taça da liga. Só assim se compreende que tenha dado quatro dias de férias de Natal aos seus jogadores, sabendo que muitos deles viajarão para a América do Sul e, após dois voos de longo curso em quatro dias, regressarão a 27 para jogar em Alvalade a 29. Há dois anos, a Liga de Clubes também resolveu marcar o Benfica-Porto que iria decidir o título para dois dias depois de vários jogadores portistas terem jogado em diversas partes do mundo pelas suas selecções. Mas isso foi uma jogada pensada, que o FC Porto denunciou e reclamou, em vão. Também é conhecida a forma como o FC Porto deu a volta a essa jogada de bastidores, em especial no que tocou ao seu jogador mais importante, na altura: James Rodriguéz. James terminou um jogo pela Colômbia, em Miami, à meia-noite da véspera do jogo; foi metido num avião particular que chegou a Lisboa ao fim da manhã do dia do jogo e foi posto a dormir toda a tarde no Hotel Aleis; André Villas Boas levou o para o banco e, a meia-hora do fim, soltou-o; James marcou um golo e assistiu o outro; o FC Porto ganhou e foi campeão em pleno Estádio da Luz, com as luzes desligadas e a rega ligada. Foi das maiores lições e dos maiores enxovalhos que o anti-desportivismo alguma vez levou entre nós.
Mas agora é diferente: agora e o FC Porto que renuncia à partida a tudo fazer para vencer em Alvalade.
3- Às 8 da manhã de domingo, a TSF abre o seu noticiário com a notícia de que Bruno de Carvalho diz ter vergonha de pertencer ao mundo do futebol português. E eu sinto vergonha do jornalismo que se faz. É que a primeira vergonha é fácil de resolver: se o presidente do Sporting tem vergonha de estar no mundo do futebol, o remédio é simples, é sair. O problema é que, como todos sabemos, ele não tem outro mundo nem existiria sem este. Mas a segunda vergonha - a vergonha de abrir um noticiário como uma notícia destas, na manhã seguinte à tragédia ocorrida poucas horas antes, com seis pescadores desportivos mortos nas areias da Capacarica essa é bem mais difícil de apagar.
abola