Eu sei que, em rigor, e olhando para o onze inicial do FC Porto contra o Basileia (sem nenhum português), não se pode dizer que tenha sido uma equipa portuguesa a chegar aos quartos da Champions, mas apenas uma equipa estrangeira ao serviço de um clube português. Mas essa é também a regra entre os tubarões, que compram o melhor que o dinheiro pode pagar, independentemente da origem. O futebol actual, mesmo a nível das chamadas selecções nacionais, é cada vez mais um território de apátridas, unidos somente pelo valor comum do dinheiro. E é à luz dessa realidade que a proeza do FC Porto tem de ser valorizada.
2- Já se escreveu tudo sobre o jogo dos portistas contra o Basileia e, desta vez, a unanimidade dos elogios dispensa a sua repetição. Apenas acrescentarei três notas pessoais. Uma, para dizer que é em noites destas que eu sinto, esmagadora, a diferença de qualidade competitiva entre o FC Porto e os seus rivais internos; a diferença de atitude, de coragem e de estatuto internacional. A segunda nota, para dizer que finalmente vi um grande jogo a Casemiro. Poderia, sem esforço, reconhecer que me enganei quando, meses atrás, tanto o criticava: mas não, foi ele que me enganou e felizmente, deixando de ser o jogador apenas caceteiro que se começou por ver, e passando a ser um jogador que substituiu as faltas pela rapidez de intervenção, acumulando isso com uma faceta escondida de distribuidor de jogo, capaz de ver além do grande círculo. E a terceira nota para dizer coisa semelhante em relação a Lopetegui. Vi aí quem escrevesse que os que criticaram Lopetegui no inicio da época deviam agora meter a viola ao saco. Eu fui um desses críticos, mas longe de exigir a sua cabeça: exigi só que pensasse e se deixasse de experiências sem sentido. E, de facto, ele mudou: fixou um onze base, certo ou errado, e assim criou rotinas de jogo e passou a tirar melhor partido de cada jogador. Provavelmente ele nunca o reconhecerá, como é lógico, mas este foi um dos casos em que as criticas foram construtivas e ajudaram a mudar o que estava mal. A viola ao saco é para aqueles que só se atrevem a criticar depois de o treinador ser despedido.
3- Do rescaldo dos oitavos da Champions saíram muito mal dois treinadores portugueses: Paulo Sousa e José Mourinho. Paulo Sousa, não apenas pelas duas banhadas de bola que o Basileia levou do FC Porto, mas sobretudo pela inconcebível atitude da sua equipa nos dois jogos. Perante uma estranhíssima complacência de ambas as arbitragens, o Basileia exibiu um futebol de cacetada à solta como eu nunca tinha visto. Tem o mérito que tem por ter chegado onde chegou, mas aquilo não é futebol e é difícil que Paulo Sousa, que eu sempre admirei e que foi um enorme jogador, não fique incomodado como espectáculo que deu a sua equipa.
Quanto a José Mourinho — cuja dívida de gratidão os portistas nunca esquecerão — pagou caro a sua compulsão irresistível para a provocação e a arrogância, de que todos estão fartos e que já só destrói a sua imagem. E pagou caro o tipo de futebol computorizado, sem rasgo nem ousadia alguma, com equipas de luxo que jogam apenas para o resultado e que transformam os seus jogos numa profunda chatice. Aliás, como já em tempos o escrevi, apesar dos clubes de topo por onde tem andado e dos milhões sem fim de que tem disposto para fazer equipas, eu nunca mais vi uma equipa de José Mourinho jogar tão bem como a do FC Porto que ele levou à conquista da Liga Europa e da Liga dos Campeões. Talvez porque então não tivesse nada a perder e as suas ambições ainda estavam no início, precisando de dar nas vistas no relvado de jogo.
4- Afinal, o suave Braga que o FC Porto apanhou pela frente foi o mesmo, mas ainda mais suave, que aquele que o Benfica apanhou. Perderam assim alguns benfiquistas notáveis uma excelente ocasião para terem ficado calados, em lugar de lançar ao ar suspeitas ofensivas da dignidade profissional dos jogadores e do treinador do Sp. Braga. Sobretudo, quando um filho de Sérgio Conceição é jogador dos juvenis do Benfica e o mais destacado dos que o ofenderam é vice-presidente do clube. Mas a verdade é que me fui apercebendo aos poucos que esta época o Benfica fará tudo, mas absolutamente tudo, sem olhar a meios nem a pruridos, para não deixar escapar o título que, de outro modo, sente que nunca seria capaz de alcançar.
5- Alguém disse que é preciso muita coragem para um árbitro expulsar um jogador do FC Porto, no Dragão e com o resultado a zero. Talvez seja, mas neste campeonato já é a segunda vez que tal acontece (e, da primeira, custou-nos dois pontos contra o Boavista). De ambas as vezes, jogámos com um a menos durante quase todo o jogo, e, em Braga, para a Taça da Liga, jogámos com dois a menos durante uma hora. Não discuto propriamente as expulsões (a de anteontem foi daquelas que dependia do critério do árbitro, tanto podendo ser uma coisa como outra), mas discuto a uniformidade de critérios, como é óbvio. Enquanto uns disputam mais de um terço dos jogos contra adversários que acabam com jogadores expulsos, a nós, e só a nós, sucede o contrário. Acho que vai ser preciso rever aquela máxima de que «os grandes são sempre beneficiados» e substituí-la por outra: «alguns grandes são sempre beneficiados». E, já agora, muda-se também a regra do penalty, ficando estabelecido que, se for contra o FC Porto, pontapé na cara do avançado dentro da área, não dá direito a penalty, a expulsão, ou sequer a falta. Mas é notável verificar que, reduzido a dez durante 84 minutos, acumulando esse esforço extra com o cansaço de um jogo intenso a meio da semana e tendo de defender o resultado na segunda parte, o FC Porto só tenha cometido, em todo o jogo, seis faltas (as mesmas que cometeu no jogo contra o Basileia)! Para uma equipa cujos jogadores são expulsos com tanta frequência, não deixa de ser curioso...
6- Dois elogios muito sinceros: um, já atrasado, a Nélson Évora, um atleta de elite, um homem e desportista com uma personalidade de excepção. E outro, ao Clube de Futebol Os Belenenses, que utilizou contra o Estoril catorze jogadores todos portugueses.